Terça-feira, 18 de março de 2025
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Artigos / Kathiany Petraglia

​Dia Mundial da Saúde Mental: apenas mais um produto exposto na prateleira das datas inexpressivas?

Hoje, 10 de outubro, celebramos o dia mundial da saúde mental, instituído em 1992 pela Federação Mundial para a Saúde Mental (World Federation for Mental Health) com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Essa data fora concebida com a finalidade de aumentar a conscientização sobre questões relacionadas à saúde mental em todo o mundo, mobilizando esforços nessa direção, no intuito de promover a importância de cuidar da saúde psicológica de forma tão prioritária quanto a saúde física.

Entretanto, embora eu nunca deixe de me manifestar nessas oportunidades, tenho sérias dúvidas se de fato elas surtem algum efeito positivo real na vida das pessoas.

Isso porque, todos as anos temos o mês de Janeiro Branco – Campanha de Conscientização sobre a Saúde Mental -, o 2 de Abril – Dia Mundial de Conscientização do Autismo -, o 18 de Maio – Dia Nacional da Luta Antimanicomial (Brasil) -, o 10 de Setembro – Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio -, o 21 de Setembro – Dia Mundial da Doença de Alzheimer – e o próprio mês de Setembro Amarelo, mas, ao que parece, como a letra de uma música conhecida já dizia: “mudaram as estações e nada mudou”.

Uma pesquisa realizada pela plataforma Neurotech Sapien Labs mostrou que o Brasil tem a quarta pior taxa de saúde mental do planeta, e, segundo esse mesmo estudo, os brasileiros estão entre os que mais relatam sentir estresse e dificuldades com a parte mental de sua saúde.

Aliás, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), revelam que 9,3% da população brasileira sofre de ansiedade, o que coloca o Brasil no topo do ranking mundial; se não bastasse, 5,8% da população brasileira padece de depressão, o que faz do Brasil o país com o maior número de pessoas com depressão na América Latina.

Portanto, de nada adianta criamos mais e mais datas de conscientização, se nada for feito para reduzir a desigualdade no acesso a serviços de saúde mental, pois enquanto uma pequena margem da população consegue tratamento particular, a grande maioria que depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), sofre com a falta de profissionais especializados, recursos e infraestrutura, de sorte que quando não são completamente privados de atendimento, perdem precioso tempo em longas filas de espera, levando muitos a desistirem antes mesmo de tentar. 

Além disso, não se pode promover a saúde mental sem uma ênfase adequada no diagnóstico precoce de transtornos mentais, afinal, como podemos tratar um problema que nem sabemos existir?

O diagnóstico, portanto, é o ponto de partida para o tratamento adequado, e a sua faltatem implicações profundas, privando os indivíduos de intervenções precoces que poderiam atenuar o sofrimento, além de contribuir para o agravamento dos sintomas. 

Contudo, para as populações mais vulneráveis, como os alunos de escolas públicas e pessoas de baixa renda, a falta de diagnóstico dos transtornos mentais representa um problema ainda mais dramático, porquanto faz perpetuar barreiras que impedem o rompimento do ciclo da miséria.

Por exemplo, crianças e adolescentes com TDAH, TEA e outros transtornos do neurodesenvolvimento não diagnosticados podem enfrentar dificuldades significativas na escola, resultando em baixo desempenho acadêmico e problemas de comportamento, muitas vezes implicando na triste realidade de desistência dos estudos e até envolvimento com criminalidade, comprometendo o bem-estar emocional de toda a família a longo prazo. Então pensemos: se para um jovem carente neurotípico, já é difícil ter um futuro promissor estudando em escola pública, quem dirá para o neurodivergente não diagnosticado?

Nessa linha de raciocínio, considerando, por exemplo, a estimativa de que cerca de 5% das crianças em idade escolar no mundo apresentam TDAH, e, se pensarmos que nas escolas públicas e comunidades carentes a maioria delas não é diagnosticada e não recebe qualquer tratamento, só aí já temos um contingente assustador de brasileiros fadados a jamais terem a oportunidade de concluir os estudos com chances de crescer profissionalmente para romper o ciclo da pobreza.

Em outras palavras, para as pessoas mais pobres e os alunos de escolas públicas, a ausência de diagnóstico adequado pode representar uma sentença silenciosa de marginalização e fracasso escolar. Assustador, não? 

Mas infelizmente os percalços não param por aí: sem o diagnóstico e sem o devido acompanhamento, os transtornos mentais podem evoluir para quadros mais graves, prejudicando não apenas a saúde mental, mas também a saúde física, de modo que indivíduos com depressão, por exemplo, apresentam um risco aumentado de desenvolver doenças cardíacas, diabetes e outras condições crônicas; além disso, a falta de tratamento adequado contribui para o aumento das taxas de suicídio, que, de acordo com a OMS, é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

Em contrapartida, o diagnóstico precoce e a intervenção adequada podem transformar vidas, e por que não, uma nação! Pessoas com Alzheimer, por exemplo, que recebem um diagnóstico precoce podem se beneficiar de tratamentos que retardam a progressão dos sintomas, permitindo-lhes maior autonomia por mais tempo. Em indivíduos com transtornos do humor, transtornos de ansiedade, dentre outros, a combinação de TCC(Terapia Cognitivo-comportamental) com o tratamento medicamentoso pode proporcionar maior estabilidade emocional, reduzindo episódios de crise.

Por conseguinte, o dia mundial da saúde mental e outras datas semelhantes apenas serão motivo de júbilo, quando se traduzirem na ampliação do acesso ao diagnóstico e ao tratamento de transtornos mentais, especialmente para as populações mais vulneráveis.

 

Kathiany Petraglia

Kathiany Petraglia
 * Kathiany Petraglia é Psicóloga e Neuropsicóloga em Cuiabá, terapeuta Cognitivo Comportamental, especialista em Neuropsicologia, doutoranda em Psicologia e Presidente da APENEURO-BR.

 
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